sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Uma questão de equilíbrio

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Há muitos anos, num passeio ao Buçaco, encontrei um professor do liceu de Gaia que sustentava a tese de serem todas as doenças mentais redutíveis a problemas intestinais. A depressão, a esquizofrenia, a paranóia, a doença bipolar, tudo o que possa caber na categoria da saúde mental, não passaria, ao cabo e ao resto, de mau funcionamento dos intestinos, de refluxos gástricos que se projectariam nas ondas cerebrais, fazendo-as correr tortas. Corrigida a prisão de ventre, ia-se a mania da perseguição; sanada a diarreia, acabavam-se os maus humores…
Era uma excepção. A generalidade das pessoas que eu conheço atribui o bem-estar e a saúde a um equilíbrio geral da mente e do corpo que pressupõe uma atenção diversificada e dirigida a cada uma das suas partes. Não se cuida da saúde tratando só do fígado ou concentrando obcecadamente todo o cuidado na prevenção das doenças da bexiga. Há que levar em linha de conta o conjunto e o equilíbrio de todas as partes que o formam.
Estranhamente, esta linha razoável de raciocínio não prevalece quando falamos de doenças sociais. Uma percentagem muito significativa dos cidadãos pensa nos problemas da comunidade como o professor do liceu de Gaia pensava nos intestinos. Atribui todos os males do mundo a uma causa só e entrega-se generosamente ao seu combate. Usualmente, vai mesmo mais longe e atribui a uma única causa a causa única dos males do mundo.
São os defensores de causas.
Por exemplo, a Associação dos Cidadãos Automobilizados atribui toda a humana infelicidade aos acidentes de viação e estes, ao excesso de velocidade. Assim, com fé genuína e piedosa, acredita cegamente que o paraíso terreal chegará com o advento dos semáforos nas auto-estradas e dos radares e das lombas limitadoras de velocidade, em todos os caminhos vicinais que liguem duas quaisquer habitações da ilha do Corvo.

Texto publicado no Blogue "Funes, el memorioso" em 27.11.2007

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