sábado, 10 de novembro de 2007

PSP treina brigadas para investigar crime na estrada

Diário e Notícias
10 de Novembro 2007


Sexta-feira. 2 de Novembro. 05.38. A chamada caiu via rádio na Secção de Investigação de Acidentes de Viação (SIAV) da PSP de Lisboa, em Benfica. Um despiste com provável vítima mortal ou ferido grave, no Terreiro do Paço. Duas equipas, de cinco elementos, partiram para o local numa viatura ligeira e numa carrinha. Dez minutos depois paravam junto a um veículo danificado. Lá dentro, um corpo já sem vida. Mas à medida que avançaram no terreno depararam com membros inferiores mutilados. Mais à frente, um outro cadáver. Por fim, alguém que ainda respirava, mas com lesões graves. Nada fazia supor um cenário daqueles. "A chamada falava em despiste. Nunca nos passou pela cabeça que fosse um atropelamento", contou ao DN um dos agentes.

A tragédia estava consumada. Havia que reagir e sossegar os que ali chegavam e eram surpreendidos pela imagem. De imediato, foram pedidos reforços para isolar o local. O INEM tratava de salvar quem ainda podia ter uma chance, enquanto a polícia começava a recolha de vestígios que poderão conduzir às causas de tão violento embate. Só depois foi possível a identificação dos corpos. Ninguém sabia quem era quem. Nem tão-pouco se algum daqueles pertencia a quem conduzia a viatura.

A tarefa não era fácil, mas é para este tipo de cenário que os homens da SIAV são preparados. E muitos confessam: "Quando chegamos ao local temos de nos abstrair de tudo. O importante é concentrarmo-nos no que há à volta e accionar todos os mecanismos necessários para prestar socorro a quem precisa e dar início à investigação, de forma a que os vestígios não sejam apagados."

Desde Maio de 2006, altura em que foi criada a secção, que é assim. Ali trabalham 41 elementos, em dois turnos de 12 horas, e divididos por equipas, de dois ou três agentes. Todos receberam formação específica para lidar com acidentes graves, nomeadamente os que envolvam mortos, feridos graves, atropelamentos, motociclos, transportes escolares e de matérias perigosas e ainda com viaturas do Estado. O Porto tem também uma secção de onze elementos.

Perspicácia, rapidez e rigor são três factores essenciais para quem está no local. "Uma recolha de vestígios bem sucedida é meio caminho andado para a investigação chegar à verdade", argumentaram ao DN. Por isso, "é importante que o agente que vai ao acidente seja o instrutor do processo. A visualização do cenário é essencial para a análise e avaliação dos elementos recolhidos", explicou o subcomissário João Pinheiro, comandante operacional da Divisão de Trânsito (DT) da PSP de Lisboa.

A experiência é uma mais-valia, mas cada acidente tem uma história. E muitas vezes o segredo da investigação está no facto de "do nada se conseguir fazer tudo", reforçou um dos elementos. Mas se hoje os homens da SIAV estão preparados para tal é porque o curso, que frequentaram antes de ingressar na secção, de Janeiro a Março, lhes deu técnicas de abordagem criminal e jurídica.

Aliás, era esta formação que fazia falta à polícia e que levou a instituição a investir na investigação do crime rodoviário. Até agora, só Lisboa e Porto têm secções específicas para a área. Contudo, o objectivo é ter em todos os comandos do País agentes formados na investigação de acidentes. De acordo com o comandante operacional da DT, duas razões sustentaram a criação da SIAV. Por um lado, as directrizes da UE que apontavam para a redução da sinistralidade em 50% até 2010. Por outro lado, o apoio à justiça, que se traduz pela necessidade de "dotar o Ministério Público de todos os elementos de prova que conduzam ao apuramento de responsabilidades".

Em 2006, foram participados à SIAV 1152 acidentes, de um total de mais de 12 mil. Destes, resultaram 40 inquéritos que seguiram para o Ministério Público, 35 por suspeita de crime de homicídio e onze por ofensa à integridade física. Este ano, a SIAV já recebeu quase 1300 participações, que originaram 38 processos, 12 por suspeita de homicídio e 16 por ofensa à integridade física. Conforme explicou ao DN o subcomissário Pinheiro, só uma percentagem muito reduzida (3,5%) dos acidentes com feridos graves é que chega a tribunal, "a maioria é resolvida através das companhias de seguro". O que não acontece com os que envolvem vítimas mortais que são considerados crime público. A procuradora responsável dos juízos criminais de Lisboa, Eliete Dias, onde estes casos são julgados, não tem dúvidas ao afirmar que "este investimento da polícia tem sido um apoio muito grande para a justiça. Trabalham de forma rigorosa e cumprindo os prazos".

A polícia portuguesa começa agora a dar os primeiros passos na investigação do crime rodoviário, embora esta designação ainda não faça parte do nosso Código Penal. Tal acontece quando em outros países, como a Espanha, a experiência adquirida tem 50 anos.

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