terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Caos Legislativo

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Um recente caso escandaloso é o das Estradas de Portugal. Entregou-se a uma sociedade anónima uma função essencial do Estado, a liberdade de circulação, pois estradas abertas constituem um direito fundamental de cidadania. Qual a razão? A bomba de relógio financeira das SCUT, criada na ilusão de obter dinheiro privado para infra-estruturas, está a explodir. Por isso entrou-se numa fuga para a frente, generalizando a abordagem. Quando o primeiro-ministro afirmou em 16 de Novembro que a nova empresa tem por objectivo a "sustentabilidade financeira", ele sabe que isso só será possível com uma qualquer forma sofisticada dos antigos bandoleiros dos atalhos.

Enquanto aliena funções fundamentais, a sempre crescente máquina estatal atarefa-se a tratar da violência doméstica, inovação tecnológica, galheteiros nos restaurantes, embalagens de brinquedos. Proíbe o fumo, o ruído e o excesso de velocidade, promove o aborto e facilita o divórcio. Dizemos ser um país livre, mas é impossível a matança do porco, brindes no bolo-rei, ou termómetros de mercúrio.Tudo isto no meio de uma fúria legislativa, onde novas versões de diplomas surgem antes de secar a tinta nas anteriores. Um exemplo sugestivo, já que se fala de trânsito, é o Código da Estrada.

O Estado, que se demite da gestão rodoviária, está cada vez mais enfiado com o condutor ao volante. Como andar de automóvel não muda há décadas, seria de esperar estabilidade nessa legislação fundamental que afecta toda a população. Pelo contrário, esse campo é um emaranhado de diplomas.Referindo apenas os principais, tínhamos um código, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, que foi depois revisto e republicado pelos DL 2/98, de 3/1, e 265-A/ 2001, de 28/9, e alterado pela Lei 20/2002, de 21/8. Então o Governo decidiu criar um novo Código, que aprovou pelo DL 44/2005, de 23/02. Desde então, nestes dois anos já foram publicados 26 novos diplomas que o complementam, corrigem e acrescentam. São quatro leis, cinco decretos-leis, dois decretos regulamentares, seis portarias e nove despachos.

O site da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, na secção Trânsito, tem um total de 46 diplomas que devemos conhecer cada vez que entramos num carro.O mais incrível é que os responsáveis não se dão conta de que esta profusão legislativa apenas manifesta a sua tolice, impotência e incapacidade. O Estado tornou-se uma galinha tonta, a correr em todos os sentidos. As gerações futuras vão divertir-se com este tempo infantil que acha que a lei resolve tudo mas não consegue decidir qual lei o deve fazer.

DN, João César das Neves, 3 de Dezembro 2007

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