segunda-feira, 23 de junho de 2008

6.500.000 multas esquecidas

Expresso, 21.06.2008

Os condutores que foram apanhados em infracções antes de 2007 e não pagaram as multas ou não cumpriram as sanções acessórias (como inibição de conduzir) têm grandes possibilidades de nunca ter de o fazer. Segundo a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), na sede desta entidade há seis milhões e meio de multas, passadas em todo o país, ‘armazenadas’ em Lisboa, fechadas em caixotes, sem qualquer tratamento.

A Autoridade, que veio substituir a Direcção-Geral de Viação, não sabe quantas foram cobradas nem quantas prescreveram ou estão em vias de prescrever. “Não é possível saber com rigor esse número”, diz fonte oficial. A explicação do presidente da ANSR, Paulo Marques, é eloquente: “É natural que num cenário de mudança de paradigmas haja constrangimentos”. Advogados especializados na contestação de multas fazem um retrato de ‘caos’. Teresa Lume sublinha que desde que a ANSR foi criada, “há um ano, que não sai nenhuma decisão de resposta aos recursos interpostos”.

Os milhões de processos estavam arquivados nas 18 delegações regionais da ex-DGV e a maioria são casos pendentes, sobre os quais houve recursos e estão ainda sem decisão final. Segundo a própria ANSR, existem também cerca de 300 mil multas de 2006 e 2007 que nem foram ainda registadas no sistema informático.

Às perguntas do Expresso, a ANSR respondeu que o número de pessoas previstas para trabalhar no “arquivo-armazém” é o “adequado”. Mas antes, no início deste ano, quando pediu ao Tribunal de Contas para contratar uma empresa para transportar estes processos, declarou que o quadro de pessoal era “evidentemente insuficiente para organizar um arquivo com aquelas dimensões e para disponibilizar os processos sempre que necessário”.

A Autoridade reconhece que só está a instruir as multas passadas após Maio de 2007. Mas também não sabe dizer quantas instruiu até agora. Muito do trabalho de fiscalização das forças de segurança que não foi cobrado nos últimos anos pode estar perdido. “Vergonhoso. Ganham os prevaricadores, os que não cumprem”, considera Nuno Magalhães, deputado do PP e ex-secretário de Estado que tutelava a DGV.

O ministro da Administração Interna não quis comentar, mas todas as perguntas e respostas trocadas entre o Expresso e a ANSR passaram pelo seu gabinete. A ANSR e os seus dirigentes - Paulo Marques e Luís Farinha, oriundos das Estradas de Portugal - são um problema para Rui Pereira. Mas substituí-los colocava-o numa situação política complicada. Estes dirigentes foram nomeados por António Costa, homem-forte do aparelho socialista, e o ministro já contrariou várias escolhas que o seu antecessor tinha feito. ‘Despediu’ dois dos seus secretários de Estado, não renovou a comissão de serviço ao director da PSP, Orlando Romano, e ‘promoveu’ o ex-director-geral de Viação, Rogério Pinheiro, que Costa tinha deixado nos excedentários, a presidente da Empresa de Meios Aéreos.

Falta de meios

A forma como a DGV foi extinta, no âmbito do PRACE (Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado), deixou à Autoridade um vazio de meios humanos e materiais. Antes havia um total de 250 funcionários a tratar das multas. Agora o quadro da ANSR apenas prevê 70. Antes havia 120 juristas em todo o país a instruir e decidir os processos. Agora há 49, 30 dos quais jovens advogados, que Rui Pereira contratou já este ano para tentar salvar a situação. Ainda assim, o presidente da ANSR, Paulo Marques, garante que o quadro é “suficiente”.

A verdade é que ao fim de mais de um ano efectivo de existência, a Autoridade não conseguiu organizar os serviços. E a desorientação instalou-se. Não são só as multas ‘esquecidas’ a causar dores de cabeça ao ministro da Administração Interna. Nas respostas a um conjunto de perguntas colocadas pelo Expresso, a ANSR demonstra um quase total desconhecimento sobre o estado dos processos que herdou.

Outra situação grave é a falta de resposta aos pedidos dos tribunais para aceder ao ‘cadastro’ dos condutores. Estes casos têm que ver com crimes rodoviários, como o excesso de álcool, manobras perigosas ou condução sem carta, que vão a julgamento e para os quais o juiz precisa de consultar o processo do condutor para decidir a sentença.

Segundo alguns advogados que trabalham neste sector, os atrasos nas respostas aos tribunais é de tal forma que houve juízes que tiveram de ‘ameaçar’ acusar o presidente da ANSR de crime de desobediência para conseguir o envio das certidões. A Autoridade reconhece que nem sabe quantos pedidos oriundos dos tribunais deram entrada.

Por último, a falta de organização tem impedido também que o registo das decisões judiciais seja feito atempadamente. Impactos directos: condutores perigosos, a quem a carta devia ser cassada, continuam nas estradas.

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Apesar deste descalabro já andam a comprar mais radares. Será para aumentar a "fila de espera" das multas ?

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