segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Os investigadores da PSP que vêem à lupa os acidentes de viação

Público
24.11.2008





Em todo o país, há perto de 100 agentes a apurar causas prováveis de acidentes rodoviários. Trabalham com "rigor científico" para ajudar os tribunais a decidir
Um spray verde contorna o início do rasto de travagem dos pneus. Foi ali que o Fiat Uno começou a travar, mas só parou alguns metros mais à frente, sem conseguir evitar o atropelamento de um peão. Uma mulher arriscou e atravessou a estrada muito perto da boca do Túnel do Marquês, na movimentada Avenida de Fontes Pereira de Melo, em Lisboa.
O comprimento das marcas deixadas pelos pneus é agora medido com uma fita métrica por um dos agentes da PSP, da unidade de investigação de acidentes de viação. Pode parecer um pormenor insignificante, mas não é: vai permitir calcular a que velocidade circulava o ligeiro antes do embate com o peão.

Inclinómetro e fita métrica

A velocidade é um dos factores a ter em conta na investigação que estas brigadas especiais da PSP fazem a acidentes rodoviários graves. Objectivo: apontar uma causa provável do acidente. Os relatórios elaborados por estas unidades, a funcionar em quase todos os comandos da PSP (perto de 100 agentes), são peças fundamentais para os tribunais conseguirem apurar responsabilidades criminais ou cíveis.
Na esquadra de Benfica, onde está instalada a secção de investigação de acidentes para a área de Lisboa, há sempre duas equipas prontas a sair em caso de acidentes com mortos e feridos graves. Para o terreno levam uma máquina fotográfica, uma fita métrica, um inclinómetro (mede a inclinação da via) e testes de despiste de álcool e de drogas.
A recolha de vestígios, onde se inclui a medição do rasto de travagem, é uma das tarefas mais importantes no trabalho de investigação, tal como acontece num outro homicídio. Os agentes recolhem vestígios como sangue ou fragmentos de vidros projectados e verificam a posição final dos veículos.
O veículo é fotografado, em várias perspectivas, bem como algumas peças no interior, como a alavanca das mudanças. Um elemento que pode servir de prova, já que é impossível um condutor dizer que circulava a 30 quilómetros por hora quando tinha a quinta marcha engrenada.
A mais-valia deste trabalho da PSP (e que a GNR também desenvolve) é "o rigor científico, que antes não havia", observa João Pinheiro, da Divisão de Trânsito da PSP.
Há situações que parecem tiradas de séries televisivas que retratam a investigação criminal. António Lérias, chefe da secção de investigação de acidentes de viação da PSP em Lisboa, lembra um caso em que a análise do ADN no airbag foi fundamental para confirmar a identidade do condutor que, a princípio, negou à polícia que ia ao volante quando se deu o acidente.

"Quem mente menos"


No caso do atropelamento à entrada do Túnel do Marquês, o jovem condutor diz ter visto a vítima atravessar as duas primeiras faixas de rodagem enquanto estava parado num sinal vermelho. "Pensei que ela ia parar. Quando a vi, já estava no meio da estrada", declarou à polícia.
Nervoso, pergunta aos agentes pelo estado da vítima, que já tinha seguido para o hospital quando a equipa de investigação de acidentes chegou ao local. Como há traumatismo craniano, é considerada um ferido grave.
O testemunho dos intervenientes logo no local revela-se o mais próximo da realidade. Apesar dos nervos, o condutor é obrigado a preencher um papel com os seus dados pessoais, a descrever o acidente e a indicar testemunhas.
Para João Carlos, agente da PSP que está nestas brigadas quase desde o seu início, em 2006, o mais difícil neste trabalho de investigação "é saber quem mente menos": "Ninguém assume que tem culpa ou temos situações em que não estão a mentir, acreditam que foi mesmo assim como contam".
Os acidentes rodoviários entraram na rotina destes homens, mas deixam marcas. "A minha forma de conduzir mudou radicalmente. Passei a ser mais calmo. A gente vê a vida das pessoas um bocadinho estragada", diz João Carlos.
Quase uma hora depois do atropelamento, o condutor segue viagem, com o vidro do pára-
-brisas estilhaçado num dos cantos e um farol de nevoeiro partido. A equipa da PSP tem ainda outra hora de trabalho pela frente: segue para o hospital onde a vítima está internada para fazer os testes de despiste de álcool e de drogas.

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Já não é sem tempo. É um trabalho importantíssimo

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