A rede rodoviária nacional não garante a segurança contra o aquaplaning, alerta o Observatório de Segurança de Estradas e Cidades (OSEC). O problema está na má drenagem do pavimento, em particular nas zonas de proximidade das curvas, que permite o aquaplaning - perda de controlo da direcção do veículo - a partir de 80 quilómetros por hora mesmo com chuvadas fracas. Uma das auto-estradas que têm problemas é a A5, que liga Lisboa a Cascais, e sobre a qual o Observatório pondera fazer uma participação criminal.
O fenómeno da hidroplanagem (termo técnico vulgarmente conhecido como aquaplaning) tem merecido a atenção de Francisco Salpico, engenheiro, membro do OSEC, que tem realizado peritagens de acidentes para tribunais.
"A nossa rede viária não garante a segurança contra a hidroplanagem", conclui Francisco Salpico, acrescentando que a situação "é mais grave nas auto-estradas onde se praticam velocidades mais elevadas".
O cálculo da velocidade a que ocorre o aquaplaning resulta do cruzamento de vários dados, entre os quais está a macrorrugosidade do pavimento (avaliada pelo ensaio da mancha de areia que é expressa em altura de areia), a intensidade da chuva e o comprimento das linhas de água que escorrem no pavimento.
O especialista do OSEC baseia-se na metodologia de investigação experimental de especialistas norte-americanos. De acordo com essas contas, o risco de um condutor perder o domínio da direcção do veículo existe em velocidades a partir de 80 quilómetros por hora, num pavimento com 0,6 milímetros (mm) de altura de areia, com uma chuvada de 5 milímetros/hora, considerada uma precipitação fraca.
Segundo dados recolhidos por Francisco Salpico, a altura de areia de 0,6 mm é a que se verifica nas vias rápidas e nas auto-estradas em Portugal. Contactada pelo PÚBLICO, a Estradas de Portugal confirma que a altura de 0,6 mm de areia é o mínimo utilizado em pavimentos novos e em obras de beneficiação. A gestora da rede rodoviária não se pronunciou sobre a avaliação de segurança das estradas portuguesas relativamente ao aquaplaning.
A solução para melhorar a segurança das estradas face à chuva está no aumento da macrorrugosidade do pavimento e na colocação de drenos transversais e longitudinais, defende Francisco Salpico.
O especialista do OSEC sublinha que o risco de aquaplaning é mais elevado sobretudo nas zonas de proximidade das curvas, onde o comprimento das linhas de água a escorrer sobre o pavimento é maior. E quanto maiores forem as linhas de água, mais perigosas se tornam para os condutores.
Segundo Francisco Salpico, o comprimento máximo da linha de água não pode ser superior a seis metros, tendo em conta a rugosidade corrente dos pavimentos das vias rápidas. "Há auto-estradas em Portugal que têm linhas de água com 95 metros e até com 170 metros", afirma o engenheiro, que dá como um mau exemplo a A5, entre Lisboa e Cascais, onde há linhas de água com mais de 100 metros.
O presidente do OSEC, Nuno Salpico, afirma que a organização pondera apresentar uma participação criminal sobre esta auto-estrada da Brisa para apurar eventuais responsabilidades na construção. O PÚBLICO contactou a Brisa, mas o porta-voz da concessionária escusou-se a fazer comentários.
Desde a sua fundação, em 2004, o OSEC já apresentou queixas-crime sobre o IP3 (Viseu), o Eixo Norte-Sul (Avenida Padre Cruz-Ponte 25 de Abril) e a Estrada Nacional 10 (Setúbal-Coina).
As conclusões do Observatório que apontam para risco elevado de aquaplaning nas estradas portuguesas não merecem comentários por parte do chefe do núcleo de planeamento de tráfego e segurança do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), João Cardoso, por desconhecer se os conceitos estão a ser bem aplicados pela organização não governamental.
Em termos gerais, João Cardoso acredita que as estradas portuguesas cumprem os requisitos de segurança exigidos quanto ao aquaplaning: "Suponho que essas verificações são feitas. De resto, o problema tem que ser visto caso a caso."
Instado também pelo PÚBLICO a pronunciar-se sobre a segurança das estradas portuguesas relativamente ao risco de aquaplaning, o bastonário da Ordem dos Engenheiros, Fernando Santo, sublinha que "seria ridículo um decreto-lei a impor regras na construção de estradas, há sim boas práticas e devem continuar". As infra-estruturas rodoviárias resultam de "vários equilíbrios, entre os quais o traçado, a adaptação ao terreno e os custos". Fernando Santo põe a tónica no comportamento do condutor, que deve adequar-se às condições da estrada, do tempo e do tipo de viatura. De outra forma, conclui, "estamos a passar um atestado de estupidez aos condutores".
Francisco Salpico alega que o problema do aquaplaning é subestimado até na formação de técnicos como os auditores de segurança rodoviária. Henrique Machado, do Centro Rodoviário Português, promotor dos cursos de auditorias de segurança rodoviária (que inspeccionam as estradas em projecto), confirma que o tema só merece cerca de 20 minutos numa aula. Lembra que o piso drenante é mais dispendioso e que perante chuvas como as que ocorreram a 18 de Fevereiro deste ano "qualquer condutor deve abrandar". Quanto às conclusões do OSEC sobre aquaplaning, Henrique Machado não poupa críticas: "O Observatório é tecnicamente incompetente. Faz juízos de valor sem base técnica."
A macrorrugosidade do pavimento mede-se através do ensaio da mancha de areia. Tomando um determinado volume de areia calibrada fina, verte-se sobre o pavimento e, com recurso a uma peça simples, vai-se espalhando gradualmente em movimentos circulares até não se conseguir aumentar mais a mancha de areia. A areia vai entrando nas cavidades do pavimento. Mede-se o diâmetro da mancha de areia, e sabendo o volume inicial, é possível calcular a espessura média da mancha de areia, e é este o valor utilizado. Actualmente, existem aparelhos para medir a macrorrugosidade do pavimento de forma contínua, em grandes extensões e rapidamente.
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