quinta-feira, 2 de setembro de 2010

A panaceia radares


A GNR quer reforçar o uso de radares nas estradas portuguesas. Num documento interno a que o i teve acesso, enviado a todos os comandos territoriais há três dias, a Direcção de Operações pede maior utilização de radares e vídeos provida (radares móveis utilizados nos carros patrulha), considerando que o seu uso tem estado "abaixo do desejável".
Associações de profissionais do sector defendem que a medida, destinada a aumentar o número de multas, é insuficiente e que a prevenção não pode ser feita recorrendo exclusivamente ao controlo de velocidade.
José Manageiro, presidente da Associação dos Profissionais da Guarda, alerta para a necessidade de aperfeiçoar os procedimentos e investir numa maior incidência de visibilidade das patrulhas. "A componente visível é a forma mais correcta de evitar o acidente e é mais eficaz do que um radar escondido." O dirigente associativo da GNR admite que "uma diminuição das receitas" provenientes das multas de trânsito pode contribuir para estas indicações de natureza operacional e previne: "Queríamos que o raciocínio estivesse mais na prevenção e menos nas receitas."
José Alho, presidente da Associação Socioprofissional Independente da Guarda (ASPIG), acusa a GNR de usar estas directivas para empolar as estatísticas. "Como o número de multas passadas em 2009 foi muito reduzido, a GNR precisa de mais multas para dizer que sem Brigada de Trânsito isto continua a andar sobre rodas", comenta o dirigente.
Fonte do Comando Geral da GNR responde que o documento interno "nunca quererá dizer: vamos passar multas" e defende que o importante está concentrado nos dois primeiros parágrafos da mensagem. Na comunicação aos militares, a Direcção de Operações sublinha "a necessidade imperiosa" de reduzir a sinistralidade rodoviária e considera o "excesso de velocidade e a velocidade excessiva" infracções a combater por serem causas "muito relevantes para a ocorrência de acidentes rodoviários".
A utilização da prevenção rodoviária como "bode expiatório" para a avaliação de desempenho dos oficiais também entra no rol de acusações. Manuel João Ramos, presidente da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados (ACAM), não considera que o pedido emitido pela Direcção de Operações seja "irresponsável" mas sustenta ser "uma forma descabida" de prevenir a sinistralidade. O presidente acusa a GNR de agir "em função do número de coimas" e de "sobreutilizar os radares em operações stop, não necessariamente em zonas de risco, mas onde é mais fácil apanhar infractores".
José Miguel Trigoso, director da Prevenção Rodoviária Portuguesa, pelo contrário, aplaude a iniciativa da GNR. "Não há outro meio para controlo de velocidade além dos radares." A política é estratégica para diminuir o número de mortes nas estradas porque "a gravidade do acidente depende da velocidade do embate", explica Trigoso.
A mensagem volta a lançar o debate sobre a capacidade operacional da GNR, depois da extinção da Brigada de Trânsito. O fim daquela unidade foi oficializado no início de 2009 com a entrada em vigor da Lei Orgânica da GNR e, para as associações do sector, a Divisão de Trânsito e Segurança Rodoviária da GNR instituída pelo Ministério de Rui Pereira há uma semana não resolveu o problema. Os profissionais continuam a queixar-se da falta de coordenação central desde que passaram a estar integrados nos destacamentos territoriais. "Esta divisão, tal como o nome indica, é mais um departamento para dividir", lamenta José Manageiro, para quem a criação do novo órgão é "apenas uma operação de estética". "Não consegue reduzir o erro de António Costa", conclui.
O número de mortes nas estradas estabilizou. Até 21 de Agosto, morreram 460 pessoas nas estradas portuguesas, menos uma do que em igual período do ano passado. Estes dados são anteriores ao choque em cadeia na A-25, que causou seis mortes.
Jornal "I", 02.09.2010

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Estamos mais uma vez perante uma guerra de interesses corporativos e institucionais com pretexto na ficção de que a repressão do "excesso de velocidade" é o essencial da prevenção.
Business as usual.

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