quinta-feira, 29 de maio de 2008

Fim da DGV deixa 300 mil multas em risco de prescrever

Público, 29.05.2008



Serão pelo menos 300 mil as multas de trânsito que estiveram paradas nas 18 divisões e delegações da extinta Direcção-Geral de Viação (DGV) que poderão vir a prescrever ou poderão já ter prescrito. O número é da nova entidade responsável pela aplicação das contra-ordenações, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária ANSR) e surge num contrato com uma empresa que iria fazer a "recolha" e "transporte" de processos de contra-ordenação por recepcionar existentes nos serviços regionais, que foi chumbado pelo Tribunal de Contas.
Em 22 de Janeiro, três juízes conselheiros recusaram o visto pedido pela ANSR, sob a tutela do Ministério da Administração Interna (MAI), com o argumento que o negócio que iria ser feito com a Empresa de Arquivo de Documentação, SA por 660 mil euros (sem IVA), exigia a realização de um concurso público. O Governo invocou "motivos de urgência imperiosa", nomeadamente, o facto de uma intervenção demorada resultar em "inúmeras prescrições, com grave prejuízo para a arrecadação de receitas do Estado", para justificar o recurso ao ajuste directo.
Mas os argumentos não convenceram o Tribunal de Contas. "Ora foi o Governo, ele próprio, que procedeu, de forma programada, à restruturação dos serviços públicos, que veio dar origem à necessidade de transferir os processos de contra-ordenação da DGV para a ANSR. E não só lhe deu origem, como podia, e devia, prever essa necessidade logo desde Abril de 2006 (ou mesmo antes) quando elaborou e aprovou o Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE)", lê-se no acórdão.
E acrescenta-se: "O facto de só em Agosto de 2007 a ANSR ter identificado e reportado a necessidade de proceder às recolha e gestão de processos, não estando dotada para o fazer com meios próprios, pode resultar de uma actuação perfeitamente diligente da sua parte, mas não afasta a circunstância de não constituir qualquer acontecimento imprevisível e externo para a entidade adjudicante". Por isso, os juízes consideram que era essencial a realização de um concurso público e chumbaram o contrato.
Milhares de "pendentes"
Durante o acórdão são reproduzidas informações diversas, como um despacho favorável do presidente da ANSR, Paulo Marques, sobre uma informação de serviço onde se refere que "nos serviços desconcentrados da DGV existem documentos que ainda não foram registados [pelos funcionários]". De seguida precisa-se: "Muito embora não seja possível apurar o número desses documentos, estima-se que seja equivalente aos processos por recepcionar, isto é, cerca de 300.000". Segundo explicaram ao PÚBLICO funcionários da instituição estes processos são os que se encontravam fisicamente (pendentes) nas 18 divisões e delegações da DGV a 1 de Maio, data em que entrou em vigor o decreto-lei que extinguiu a instituição, e ficaram então a aguardar serem transportados para Lisboa, para os serviços centrais. Era aqui que deveriam ser recepcionadas no sistema informático e assegurado todo o seu processamento
Em Outubro, o PÚBLICO noticiou que havia "dezenas de milhares" de processos pendentes nas delegações, a maioria dos quais ficaram parados. Apesar de nessa altura o gabinete do Secretário de Estado da Protecção Civil, Ascenso Simões, ter feito um comentário difuso sobre o facto, mais tarde uma entidade oficial emitiu um desmentido.
Em Fevereiro deste ano o PÚBLICO volta a noticiar a prescrição de milhares de multas. Desta vez, contudo, o presidente da ANSR, Paulo Marques, considerou então "perfeitamente normal que os processos de contra-ordenações rodoviárias de 2005 e do primeiro trimestre de 2006 possam vir a prescrever". O ministro Rui Pereira anunciou logo a criação de uma equipa especial para tratar das multas em risco de prescrever, seis meses depois do presidente da ANSR assinar um despacho onde reconhecia a existência do problema. Contactado pelo PÚBLICO, o MAI não respondeu até ao fecho desta edição.

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